Jurisprudência trabalhista

TRT4. TRABALHADOR MARÍTIMO. HORAS EXTRAS. NORMA COLETIVA.

Identificação

PROCESSOnº 0020223-75.2014.5.04.0024 (RO)
RECORRENTE: LAERTE DA SILVA MARTINS, NAVEGACAO GUARITA S/A – EM RECUPERACAO JUDICIAL
RECORRIDO: LAERTE DA SILVA MARTINS, NAVEGACAO GUARITA S/A – EM RECUPERACAO JUDICIAL
RELATOR: CLAUDIO ANTONIO CASSOU BARBOSA

EMENTA

TRABALHADOR MARÍTIMO. HORAS EXTRAS. NORMA COLETIVA. Considera-se válida a previsão contida emnorma coletiva que determina o pagamento fixo de 91 horas extras mensais ao trabalhador que presta serviços em embarcações,pois se trata de transação legítima em razão da característica peculiar do trabalho realizado. Tal condição não afasta, contudo,o direito ao recebimento da totalidade do labor extraordinário, caso reste comprovado que excedeu ao montante convencionado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do TribunalRegional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, dar parcial provimento ao recurso ordinário do reclamante paraacrescer à condenação o pagamento de indenização por danos morais fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), bem como honoráriosadvocatícios fixados em 15% sobre o valor bruto da condenação. Ainda, por unanimidade de votos, negar provimento ao recursoordinário da reclamada. Valor da condenação que se acresce em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Custas acrescidas em R$ 200,00(duzentos reais) para os fins legais.

Intime-se.

Porto Alegre, 13 de outubro de 2015 (terça-feira).

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

RELATÓRIO

Inconformadas com a decisão que julgou parcialmente procedentes os pedidos, ambas as partes recorrem.

O autor pretende a reforma da decisão no tocante às seguintes parcelas:reconhecimento da unicidade contratual, diferenças de adicional de periculosidade, jornada de trabalho, dano moral e honoráriosadvocatícios.

A reclamada, por sua vez, busca a reforma da sentença no tocanteao adicional de insalubridade.

São apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

1. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

1.1. UNICIDADE CONTRATUAL

Pretende o reclamante a reforma da sentença que julgouimprocedente a pretensão relativa ao reconhecimento da unicidade contratual entre os dois últimos períodos nos quais prestouserviços à ré. Sustenta que a realidade dos fatos é que havia celebrado um acordo com a reclamada, para saque do FGTS,em 09.02.2012, já ajustada sua readmissão em seguida, cujo fato se consumou em 18/05/2012, quando formalizada sua readmissão(Id. ab15cdb – p. 2). Invoca a OJ 82 da SBDI – I do TST, defendendo que o aviso prévio integra o contrato de trabalhopara todos os fins. Sustenta que o período de afastamento se resume ao período correspondente ao aviso prévio, acarretandoa existência de um só contrato.

A sentença julgou improcedente o pedido, por considerar que o próprioreclamante reconheceu em seu depoimento pessoal a solução de continuidade do contrato. Nos seguintes termos foi proferidaa decisão (Id. a4e956d – p. 1):

Conforme reconheceu, o reclamante, em depoimento pessoal, teve seu contratorescindido no início de 2012, oportunidade em que recebeu, além do pagamento das parcelas rescisórias, o seguro desemprego- tendo retornado à reclamada somente em maio do mesmo ano. Portanto, reconhecida, pelo reclamante, a solução de continuidadede mais de 90 dias até a nova contratação, realizada em 18/05/2012, não há falar em declaração de unicidade contratual, restandoimprocedentes os pedidos formulados nos itens "A" e "E" da petição inicial.

De acordo com as anotações constantes da CTPS (Id. 2600603- p. 4) e das fichas registro de empregado (Ids. 2600630 e 2600676), o reclamante trabalhou para a reclamada em três períodosdistintos: de 15 de março de 1985 a 14 de agosto de 1986; 30 de setembro de 1987 a 09 de fevereiro de 2012 e de 18 de maiode 2012 a 25 de setembro de 2013. Por fim, exerceu a função de Piloto Fluvial.

A discussão recai sobre o intervalo de cerca de três meses existenteentre o segundo e o terceiro contrato de trabalho.

Na defesa, a reclamada negou a existência de contrato uno no períodoem questão, negando também a prestação de serviços no período. Ainda, juntou aos autos documentos que comprovam as extinçõesformais dos contratos de trabalho em 21 de novembro de 2011 e 25 de setembro de 2013 – termos de rescisão e comprovação dopagamento das verbas rescisórias. Afirmou que o último dia de trabalho do autor foi em 11 de novembro de 2011 e que, pelaprojeção legal do aviso-prévio, o término do contrato efetivou-se em 09 de fevereiro de 2012, demonstrando, assim, que entreum contrato e outro se passaram mais de seis meses.

O Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho de Id. 2600690 comprovaque as parcelas relativas à rescisão registrada na CTPS na data de 09 de fevereiro de 2012 foram alcançadas ao autor em 21de novembro de 2011. O documento sustenta a tese da defesa, pois demonstra que o aviso-prévio foi concedido em 11 de novembrode 2011 e projetou o final do contrato para 09 de fevereiro de 2012.

Assim, a despeito das alegações de que o período do aviso préviointegra o contrato para todos os fins, não encontro, nos autos, qualquer respaldo para o reconhecimento de unicidade contratual.Os elementos trazidos pelo próprio autor não corroboram sua tese. Veja-se que o reclamante confessa em seu depoimento pessoalque não prestou serviços à reclamada no período entre os dois contratos. Além disso, reconheceu ter recebido seguro-desempregoe o TRCT comprova o efetivo pagamento das verbas rescisórias.

Registro, apenas a título de esclarecimento, que ao contrário doque afirma o autor, os documentos trazidos aos autos demonstram que o aviso-prévio foi concedido em 11 de novembro de 2011e projetou-se até 09 de fevereiro de 2012, sendo certo que a nova contratação ocorreu somente em maio de 2012. Dessa forma,o afastamento das atividades não corresponde somente ao período do aviso-prévio, como afirmado.

Além disso, nenhuma prova foi produzida a fim de demonstrar fraudeno ato de dispensa e na nova admissão. Dessa forma, não há como acolher a pretensão da unicidade entre o segundo e o terceirocontrato.

Nessa esteira, mantenho a sentença, negando provimento ao recurso.

1.2. DAS DIFERENÇAS DE ADICIONAL DEPERICULOSIDADE

O reclamante não concorda com o entendimento consignadona sentença, no sentido de que não são devidas quaisquer diferenças referentes ao cálculo do adicional de periculosidade.Sustenta que impugnou todos os recibos juntados, pois, conforme se vê de uma simples leitura nenhum deles foi assinadopelo reclamante, ou seja, não há prova que os valores ali especificados tenham sido, efetivamente, pagos ao empregado. Afirmaque, diante disso, os documentos não se constituem em meio idôneo para comprovar o efetivo pagamento.

A sentença foi assim fundamentada no ponto (Id. a4e956d):

A vantagem paga ao longo dos contratos de trabalho mantidos entre as partessob a rubrica "Adicional Periculosidade" foi calculada na proporção de 30% sobre a soldada base, conforme previsões normativas.Por outro lado, havia o pagamento da rubrica "Periculosidade S.H.Extra" sem que tivesse, o reclamante, apresentadoqualquer demonstrativo de diferenças em seu favor, inclusive pela sua integração nas demais parcelas pagasao longo dos contratos. Improcedente o pedido do item "J".

Resta incontroverso o recebimento de adicional de periculosidade,conforme os demonstrativos de pagamento de (Id. n. 2600616 e 2600608). Além disso, pela análise dos documentos, verifico quea parcela era calculada sobre o valor da soldada-base, sendo paga também sobre as horas extras pactuadas. Portanto, a reclamadaobservou para a apuração do valor devido, a base de cálculo estabelecida na cláusula décima quinta das normas coletivas dacategoria (Id. 2600659 e 2600670). Ademais, corroborando o entendimento da sentença, não constato que o autor tenha apresentadoqualquer demonstrativo de diferenças em seu favor.

Diferentemente do que sustenta o recorrente, a impugnação lançadaem razão da ausência de assinatura nos recibos não possui o condão de demonstrar as diferenças que entende devidas, mormenteconsiderando-se que os demonstrativos, como referido acima, consignam que a reclamada observava a correta base de cálculopara o pagamento da parcela. No aspecto, registro que apesar dos referidos documentos não estarem firmados, o autor não comprovapor qualquer meio que não tenha recebido os valores neles consignados.

Diante disso, não merece reparos a sentença.

Nego provimento.

1.3. JORNADA DE TRABALHO. NORMA COLETIVA.INTERVALO INTRAJORNADA. DOMINGOS E FERIADOS LABORADOS

Insurge-se o reclamante contra a sentença entendeu nãoter havido comprovação de trabalho extraordinário superior a 91 horas mensais e indeferiu o pagamento das horas extras postuladas.Sustenta que laborava em jornada equivalente a 18 horas, ficando, em média, 14 dias embarcado. Menciona que, conforme os arts.249 e 251 da CLT, é inválida a previsão das normas coletivas quanto à dispensa do registro de horário e à limitação do direitode receber horas extras. Assevera que a reclamada não junta aos autos os diários de bordo. Pugna pela aplicação analógicada Súmula 338, I, do TST, uma vez que a não apresentação dos registros de jornada gera presunção relativa de veracidade dajornada de trabalho. Alega, ainda, que não lhe eram concedidos os intervalos intrajornada. Por fim, pretende a condenaçãoda reclamada ao pagamento dos domingos e feriados laborados, ao argumento de que o labor em dias de repouso não pode ser confundidocom jornada extraordinária.

O reclamante foi contratado pela reclamada em 30 de setembro de1987, tendo exercido a função de marinheiro fluvial de máquinas até 25 de setembro de 2013 quando o contrato foi extinto.Afirma que, embora laborasse cerca de 16 a 18 horas diárias, recebia mensalmente apenas o correspondente a 91 horas extras,conforme previsão em norma coletiva.

Em contestação, a reclamada defendeu que o autor jamais laborou18 horas por dia; que por se tratar de labor de natureza peculiar, a jornada de trabalho sempre se deu mediante rodízio dostripulantes em regime de quartos, sendo 14 dias trabalhados a bordo seguidos de sete dias de descanso fora da embarcação.Referiu que conforme os instrumentos coletivos, pagava ao autor o valor correspondente a 91 horas extras mensais, independentementeda existência de labor em jornada extraordinária.

Os bem lançados fundamentos da sentença são assim consignados (Id.a4e956d – p. 3):

Em depoimento pessoal, o autor confirmou que "trabalhava 14 dias a bordoe 7 de folga". Por outro lado, a testemunha Gilson afirmou que "o navio tem 2 pilotos e um imediato;[…] que o depoente,o reclamante e o outro piloto se revezavam nas folgas; que permaneciam 2 pilotos no navio"(grifei). Havendo, portanto, sempre dois pilotos a bordo do navio, os quais se revezavam nas folgas, não se sustenta a afirmaçãoda própria testemunha, no sentido de que "cada piloto trabalhava cerca de 18h por dia". As normas coletivas juntadas aos autoscorroboram a tese da defesa. […] Nada há de irregular no regime de horários, autorizado por norma coletiva e efetivamentelevado a efeito entre as partes, considerando a natureza peculiar do labor desenvolvido pelos empregados que prestam serviçosa bordo bem como a impossibilidade de controle da jornada praticada nas embarcações.

(grifos no original)

A cláusula 10º das normas coletivas vigentes nos anos de2012/2013, Id. 2600659 – p. 4, estabelece que:

Não obstante o disposto nos arts. 249 e 250 da CLT, mas atendendo às circunstânciasespeciais da prestação de serviços a bordo das embarcações na navegação interior, as quais desaconselham o aponte direto dashoras extras de trabalho, as partes pactuam não proceder ao aponte de trabalho suplementar e convencionam, tão somente peloperíodo de vigência da presente convenção, o pagamento de 91 (noventa e uma) horas extras mensais a cada tripulante, com oacréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre a soldada base, tenha ou não o tripulante exercido o horário normal ou que tenhaultrapassado ou não o limite de 91 (noventa e uma) horas extras. As horas extras ora pactuadas não se incorporarão ao saláriodos tripulantes, podendo a matéria vir a ser regulada de maneira diversa, segundo o interesse das partes, quando do términoda vigência da presente convenção.

Paragrafo Único – As partesreconhecem que o regime de horas extraordinárias fixado nesta clausula constitui, nos termos do artigo 620 da CLT, condiçãomais benéfica aos empregados do que aquelas previstas no titulo 3, capitulo I seção 6, da CLT, que regula a jornada de trabalhodo aquaviário.

Considerando as características das atividades laboraisrealizadas pelo reclamante, que exigem uma flexibilização na formatação da jornada de trabalho, entendo que não há qualquerilegalidade ou abusividade na pactuação coletiva, já que não retira do autor o direito ao recebimento das horas extras, apenaslimita o montante devido. Além disso, a previsão não afasta o direito ao recebimento da totalidade do labor extraordinário,caso reste comprovado que excedeu ao montante convencionado.

Nesse mesmo sentido é o acórdão 0001021-51.2010.5.04.0122, da lavrado Des. Ricardo Carvalho Fraga e com participação deste Relator, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

Registre-se que os arts. 248 e 250 da CLT dispensou tratamento especialquanto à jornada do marítimo pelas circunstâncias de os trabalhadores permanecerem em alto mar por períodos prolongados. Asregras da norma coletiva acima descrita não trata de renúncia de direitos, mas sim, de transação legítima em razão da característicaparticular do trabalho realizado em embarcações.

Assim, os critérios estabelecidosdevem ser respeitados, prevalecendo a vontade coletiva, presumindo-se terem sido ajustados em benefício da categoria, repita-se,devido à peculiaridade das atividades dos trabalhadores marítimos.

Nesse sentido, o acórdão0014700-89.2008.5.04.0122 da lavra do Des. João Ghisleni Filho, com participação deste Relator. Na mesma trilha, o acórdão0160000-77.2001.5.04.0203 de relatoria da Desa. Maria Helena Mallmann, cuja ementa se transcreve:

"PILOTO FLUVIAL. JORNADADE TRABALHO. HORAS EXTRAS. INTERVALOS. ADICIONAL NOTURNO. Dadas as peculiaridades das atividades prestadas a bordo de embarcações,os sindicatos profissional e patronal ajustaram normativamente a desnecessidade do controle de jornada dos tripulantes, quandoembarcados, contraprestando-os com o pagamento de 91 horas extras fixas mensais. Dispensado encontra-se o empregador, na hipóteseem apreço, de manter o controle de jornada. Recurso do reclamante desprovido."

Diga-se, ainda, que mesmodiante da aceitação da referida cláusula, a mesma não obsta a postulação de pagamento de horas extras laboradas além do pactuado.No entanto, de acordo com os elementos dos autos, notadamente a prova testemunhal, não restou demonstrado que o reclamantetrabalhava além de 91 horas mensais. (TRT da 04ª Região, 3a. Turma, 0001021-51.2010.5.04.0122 RO, em 04/07/2012, DesembargadorRicardo Carvalho Fraga – Relator. Participaram do julgamento: Desembargador Carlos Alberto Robinson, Desembargador CláudioAntônio Cassou Barbosa)

Assim, havendo o pagamento de aproximadamente 4 horas extras pordia de trabalho somente pelo fato de o autor estar embarcado, cabia ao reclamante o encargo de demonstrar que lhe eram exigidolabor superior às horas extraordinárias remuneradas. Entretanto, deste ônus o autor não se desvencilhou.

A análise da prova oral permite concluir que o autor não realizavaa jornada indicada na inicial, porquanto restou comprovado que sempre haviam dois pilotos a bordo do navio, os quais se revezavamnas folgas. Assim, não é crível nem razoável concluir que o autor laborasse 18 horas diárias, conforme alega.

Mantenho, pois, a sentença no ponto.

Com relação aos intervalos, igualmente mantenho a decisão de origem,que entendeu não ser devido o pagamento dos intervalos pleiteados. Concluiu a magistrada que "Por ocasião da audiênciaretratada pela ata do ID 11dfb06, o reclamante afirmou, em depoimento pessoal, que "fazia as refeições, café da manhã, almoço,janta, café da tarde e mais uma refeição servida às 23h". Não tendo o reclamante logrado êxito em comprovar a não fruiçãoregular do intervalo, não merece reparos a decisão que indeferiu a pretensão.

Por fim, no tocante aos domingos e feriados trabalhados, a cláusula28ª das Convenção Coletiva de Trabalho vigente em 2012/2013 (Id. 2600659 – p. 10) estabelece que:

"O trabalho prestado em domingos e feriados, quando não compensado, serácontraprestado com o adicional de 100% (cem por cento), sem prejuízo da remuneração do repouso semanal".

Entretanto, entendo que o fato do autor trabalhar 14 diase folgar 07 dias, engloba a compensação de tais dias. Além disso, os recibos de pagamentos juntados aos autos apontam o pagamentode horas a título de repousos semanais remunerados (Id. 2600616), não tendo o autor apontado as diferenças que entedia cabíveis.Dessa forma, nada a deferir no particular.

Mantenho, assim, a sentença recorrida e nego provimento ao apelodo reclamante.

1.5. DANO MORAL

O recorrente pretende a reforma da decisão que indeferiuo pedido de indenização por danos morais. Alega que foi induzido a erro pela reclamada, que determinava a realização deoperação proibida pela legislação denominada de "ventilação do benzeno", ficando expostos ao contato direto e habitual como "benzeno puro", submetidos à contaminação dessa substância mortal. Sustenta que a exposição a um risco tão elevado,expôs e ainda o expõe a risco de vida. Refere que a exposição aos riscos não está abarcada pelo adicional de insalubridadereconhecido. Reitera ser devida a indenização postulada, como forma de coibir a Reclamada de obrigar aos empregados aocontato com um dos produtos mais nocivos ao seres humanos.

A sentença julgou improcedente a pretensão. Nos seguintestermos foi fundamentada a decisão (Id. a4e956d – p. 4):

Pretende, o autor, o pagamento de indenização por danos morais sob o argumentode havia exigência, por parte da ré, da realização da operação denominada "ventilação do benzeno" que, "de tão acentuado risco",ocasionou o afastamento da tripulação do navio do período de 05/09/2012 a 18/10/2012. Contudo, o fato de ter o reclamantesido afastado de suas atividades, junto com a tripulação, para a realização de exames após a exposição aos vapores do benzenonão se mostra suficiente a comprovar os danos morais alegados, tanto é que, após o fato, ocorrido em 2012, o autor permaneceulaborando na reclamada até 25/09/2013. Por outro lado, entendo que as atividades com potencial exposição ao benzeno, desenvolvidaspelo reclamante, se resolvem pelo pagamento de adicional de insalubridade, conforme já restou apreciado na presente. O pedidode indenização por danos morais improcede.

A responsabilidade civil será imputada quando configurada a hipótesedo art. 927 do Código Civil/02: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

A indenização por dano moral, especificamente, decorreda lesão sofrida pela pessoa, em sua esfera de valores eminentemente ideais, como a dignidade, a honra, a imagem e a intimidade,conforme preceitua o art. 5º, X, da Constituição Federal.

Na forma do disposto nos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, a provaincumbe a quem alega, cabendo à parte reclamante comprovar os fatos que teriam causado abalo de natureza subjetiva.

Depreende-se do laudo pericial técnico (Id. f4e424e) que as atividadesdo autor se caracterizam como Insalubres em grau máximo, segundo a NR 15 Anexo 13, conforme Portaria 3214/78 do MTE em decorrênciado labor em contato com "Hidrocarbonetos e Outros Compostos de Carbono", "Manipulação de alcatrão, óleos minerais, óleo queimado,parafina e outras substâncias cancerígenas afins", bem como Anexo 13-A em razão da exposição ao benzeno.

O autor referiu em suas razões recursais que estava em contatodireto com um dos produtos mais nocivos ao ser humano. Além disso, em depoimento pessoal, declarou que esteve expostoao benzeno em decorrência de um carregamento realizado em 10 de agosto de 2012, em razão do qual foram realizados exames médicose houve afastamento do labor por cerca de 45 dias, conforme se depreende do trecho do depoimento a seguir transcrito (Id.11dfb06):

[…] que no início do mês de ago/12, foi feito um carregamento de benzenono Polo de Triunfo; que ao chegar em Rio Grande deveriam descarregar o benzeno, tendo surgido um carregamento de etanol paraser feito; que havia um acordo verbal para que o no tanque de benzeno somente este produto; que foi feita a ventilação dotanque de benzeno para que secasse e fosse feito o carregamento de etanol, tudo de acordo com o manual; que devido á grandequantidade de vapor, toda a tripulação ficou exposta; que isso ocorreu no dia 10/08/2012, sendo que a tripulação fez examede urina no mesmo dia; que deveriam ficar afastados por 45 dias, o que ocorreu somente após o dia 05/09/2012; que no dia 05/09,quando a tripulação chegou em Porto Alegre, foi comunicada de que ficaria afastada por 45 dias; […]

Quanto ao referido incidente, o preposto da reclamada declarou emdepoimento pessoal (Id. 11dfb06):

[…] que após 11/08/2012 houve proibição de ventilação de tanque de aromáticosda cadeia do benzeno, passando a ser feita somente no terminal Santa Clara em Triunfo, com sistema fechado, sem contato coma atmosfera; que quando houve o incidente em Rio Grande, relativo a ventilação do tanque de benzeno, a operação foi iniciadapelo comandante Gílson; que após foi assumida pelo reclamante, ocasião em que houve mudança do vento, que passou a ir contraa casaria da embarcação (parte habitável); que o comandante poderia parar a operação ou mudar a posição correspondente

No caso, em sentido contrário ao entendimento exarado nasentença, verifico que o conjunto probatório produzido favorece a tese lançada na petição inicial.

A exposição inadequada ao vapor de benzeno é questão incontroversano caso dos autos. A meu ver, o contato com a substância danosa em questão, da forma como ocorrido, constitui situação suficientede, por si só, gerar o abalo moral indenizável. Trata-se, pois, de dano in re ipsa.

Note-se que o benzeno é substância sabidamente cancerígena e que,na hipótese, restaram inequivocamente demonstrados os riscos decorrentes do contato ao agente nocivo em questão, já que, apósa exposição ao vapor de benzeno, os tripulantes necessitaram realizar exames médicos e ficaram afastados do labor por 45 diasa fim de normalizar o nível do agente no sangue. Neste particular importa referir que, dada a gravidade da situação a qualexposto o reclamante e os possíveis efeitos maléficos à sua saúde, é irrelevante o fato de a exposição ter ocorrido em umaúnica oportunidade.

Nem se cogite, ainda, que os riscos advindos do contato com o agentese resolvem pelo pagamento de adicional de insalubridade ou que o fato de o autor não ter sido acometido por doença ocupacionalem razão da exposição afaste o dever de indenizar, já que a questão posta em análise é o abalo psicológico sofrido pelo trabalhadorante à exposição inadequada a agente comprovadamente cancerígeno.

Nesse contexto, no caso em análise, é plausível concluir que ascircunstância narradas tenham gerado abalo psicológico ao autor capazes de ocasionar ofensa de ordem moral, já que certamentetemeu pelos possíveis malefícios da exposição ao benzeno.

Constitui obrigação do empregador oferecer aos seus empregados umambiente de trabalho saudável e seguro, garantindo-lhes a higidez física e moral. No caso, entretanto, restou comprovado afalta de zelo da reclamada com as normas de segurança e saúde do trabalho, não restando dúvidas quanto a sua culpabilidade.

Assim, do contexto narrado tem-se por evidenciado o nexo entre odano e a conduta da reclamada, haja vista o desrespeito às regras de saúde e segurança do trabalho, que como se sabe, consubstanciam-seem normas de ordem pública. Presentes, portanto, os pressupostos necessários à responsabilização da empregadora, a teor dodisposto nos artigos 186 e 927 do CC, faz jus o reclamante ao pagamento de indenização por danos morais.

É consenso que uma das dificuldades no arbitramento da indenizaçãopor danos morais reside nos parâmetros utilizados para reparar a ofensa e punir o agressor. Não havendo tarifamento no ordenamentojurídico para a reparação pelos prejuízos causados ao ser humano em sua esfera subjetiva, o conjunto de sugestões trazidaspelos estudiosos do tema permite que se estabeleçam alguns critérios. Na fixação do quantum pode o Julgador considerar,entre outros, aspectos relacionados à intensidade da culpa, à relevância do bem jurídico protegido, ao grau de sofrimentode um homem médio em relação ao dano, aos reflexos do prejuízo na vida pessoal e social do lesado, bem como à situação econômicae social das partes envolvidas. O importante é a busca de uma forma equitativa para o cumprimento dessa tarefa. O Juiz temo livre arbítrio de analisar as circunstâncias do caso de acordo com sua sensibilidade, bom senso e as máximas de experiência,expondo, enfim, o que entende como justo e razoável para compensar o prejuízo sofrido e reprimir a prática do ilícito.

No caso, observadas essas considerações, bem como a carga pedagógicada condenação, a fim de inibir a reiteração de atos semelhantes pela ré, fixo a indenização por dano moral no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), valor que entendo justo e adequado a estes fim.

Por tais fundamentos, dou provimento parcial ao recurso para acrescera condenação da reclamada no pagamento de indenização por danos morais de R$ 10.000,00.

1.6. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Postula o autor a reforma da sentença que indeferiu o pagamentode honorários advocatícios postulados. Sustenta que a assistência judiciária não é monopólio dos sindicatos. Invoca os arts.5º, LXXIV, da CF, bem como o teor da Lei nº 5.584/70. Transcreve jurisprudência sobre o tema.

Ao contrário do decidido na origem, é impositivo o deferimento doshonorários advocatícios.

Na esteira do previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal,entendo aplicável à hipótese o disposto na Lei nº 1.060/50, que assegura o acesso dos necessitados ao Judiciário sem qualquerônus, dispensando-os do pagamento de custas, honorários advocatícios e qualquer outra despesa processual. Bastando para tantoa declaração da situação econômica que não permita sejam as despesas arcadas sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Da mesma forma, a condenação ao pagamento da verba honorária decorredo previsto na Lei nº 5.584/70 e no CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho. Todo o cidadão trabalhador temo direito de acessar a Justiça, tendo o Estado, em contrapartida, por imposição constitucional, o dever de concedê-lo.

Com efeito, registre-se, a falta de credencial sindical não constituióbice ao deferimento de honorários assistenciais/advocatícios. A assistência judiciária é um direito assegurado constitucionalmente,sendo este um dever do Estado. Por esta razão, resta superada a norma legal que exigia a apresentação da credencial sindicalpara a concessão da assistência judiciária na Justiça do Trabalho.

Neste sentido, inclusive, a Súmula 61 deste Regional.

Não adoto, portanto, as orientações insertas nas Súmulas nºs 219e 329, bem como na O.J. nº 305 da SDI-I, ambas do TST.

Assim, declarada nos autos a condição de insuficiência econômica(Id. 1903077 – p. 6), faz jus a parte reclamante ao pagamento de honorários assistenciais de 15% sobre o valor bruto da condenação,na forma da Súmula nº 37 deste Tribunal.

2. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA

2.1. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

A reclamada não se resigna com a condenação ao pagamentode adicional de insalubridade em grau máximo. Sustenta que o reclamante não manipulava alcatrão, óleos minerais, óleoqueimado, parafina e outras substâncias cancerígenas afins. Refere que as atividades do reclamante limitavam-se amonitorar carga e descarga de embarcação, devendo para tanto classificar cargas e designar pessoal para carregamento e descarregamento.Salienta que a caracterização da insalubridade em grau máximo em razão da exposição óleos minerais e graxas depende do tipode óleo mineral, pois para serem considerados insalubres, tais agentes obrigatoriamente devem conter em sua composição hidrocarbonetosaromáticos ou alifáticos, o que não é o caso. Relativamente à exposição ao benzeno, refere que o contato era meramente eventual,o que não gera o direito ao adicional deferido. Pugna, assim, pela absolvição.

Nos termos do laudo pericial (Id. f4e424e), o reclamante tinha comoatribuições principais realizar o controle da embarcação, que transportava diversas substâncias do Polo Petroquímico até oPorto de Rio Grande, onde era executado seu descarregamento. Segundo o perito, entre as substâncias relatadas encontram-seo benzeno, tolueno e gasolina. Sendo que as quantidade de produto em cada cada tanque da embarcação era de cerca de 150 toneladas.

Concluiu o expert que o reclamante trabalhou em condiçõesinsalubres em grau máximo, pela exposição hidrocarbonetos e outros compostos de carbono na manipulação de alcatrão, óleosminerais, óleo queimado, parafina e outras substâncias cancerígenas afins (Anexo 13 da NR-15) e pela exposição ao benzeno(Anexo 13-A da NR 15).

Embora tenha apresentado impugnação, a reclamada não produziu provacapaz de infirmar o laudo técnico. Ademais, conclusão do expert está baseada em elementos coletados no próprio localde trabalho do autor, mediante perícia para a qual foi especificamente designado, sendo que as partes puderam acompanhar ainspeção e expor suas razões, as quais foram efetivamente levadas em consideração.

Tendo o representante da reclamada concordado com as atividadesrelatadas pelo demandante, não subsistem as impugnações e razões recursais lançadas pela reclamada nesse aspecto. Ainda, nãorestou demonstrado que o autor manteve contato apenas eventual com os agentes insalubres detectados.

No que respeita ao enquadramento, o óleo diesel é relacionado comoproduto de ação comprovadamente cancerígena quando em contato prolongado com a pele do trabalhador, sendo os hidrocarbonetos,ainda, responsáveis pela destruição das camadas superficiais da pele. Nessas condições, o Anexo nº 13 da NR-15 prevê o enquadramentodas atividades desenvolvidas como insalubres em grau máximo.

Nestes termos, julgo adequado o enquadramento efetuado pelo perito,em decorrência do contato com produtos a base de hidrocarbonetos, o que enseja o pagamento do adicional de insalubridade emgrau máximo, nos termos do Anexo nº 13 da NR-15 da Portaria nº 3.214/78 do MTE.

Assim, impositiva manutenção da sentença no particular.

Assinatura

CLAUDIO ANTONIO CASSOU BARBOSA

Relator

VOTOS

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA (RELATOR)

DESEMBARGADOR GILBERTO SOUZA DOS SANTOS

DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA

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