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Direito Civil

Atualizado 09/02/2024

Usucapião de bens digitais: isso é possível?

Carlos Stoever

4 min. de leitura

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Usucapião de bens digitais: isso é possível?

No mundo jurídico contemporâneo, marcado pelo crescente avanço tecnológico e a revolução digital, questões relacionadas à propriedade de bens intangíveis, como os bens digitais, têm despertado grande interesse e desafiado a interpretação das leis vigentes. Entre essas questões, destaca-se a possibilidade de usucapião de bens digitais, um tema complexo e relevante que merece análise aprofundada.

Aspectos gerais

Usucapião é um instituto jurídico milenar que confere a propriedade a alguém que não é originariamente titular do domínio de um bem, desde que preenchidos os requisitos legais. 

Trata-se do exercício da posse com o animus domini (intenção de ser dono) de forma mansa, contínua e ininterrupta, por um período temporal determinado em lei. 

A origem do usucapião remonta ao direito romano, tendo sua primeira manifestação legislativa nas Leis das XII Tábuas. Os romanos interpretavam usucapião como a aquisição da propriedade pelo uso da coisa, daí a etimologia da palavra (capio significava tomar e usu, uso).

Usucapião é, portanto, um meio de adquirir o domínio de um bem por meio da posse continuada, pacífica e ininterrupta, respeitando os requisitos estabelecidos em lei. 

Evolução do tema

Inicialmente, usucapião era tratada estritamente no âmbito do direito civil, especificamente no Código Civil. Entretanto, com a evolução do direito e a interdisciplinaridade dos institutos jurídicos, essa fronteira entre direito público e privado tornou-se menos nítida.

Com a chamada “constitucionalização do direito civil”, as relações cíveis deixaram de ser reguladas apenas por normas ordinárias e passaram a ser contempladas como normas constitucionais. Isso significa que o direito civil adquiriu uma dimensão constitucional, refletindo a necessidade de adequação às mudanças sociais.

Constituição

A Constituição Federal de 1988 incorporou temas estritamente cíveis, como a família, a propriedade e a usucapião, ao seu texto, elevando esses assuntos a nível constitucional. Assim, o usucapião demanda uma releitura, pois se tornou um direito constitucionalmente consagrado, sendo contemplada na Constituição em duas modalidades: usucapião especial pro misero e usucapião especial pro labore.

O novo Código Civil, em consonância com a Constituição, reconheceu essas duas modalidades de usucapião, praticamente repetindo os textos constitucionais. Além disso, o Código também mencionou a possibilidade de usucapião de bens móveis.

Propriedade Imaterial (ou Direito Intelectual/Imaterial)

O conceito tradicional de propriedade, que se limitava a bens móveis e imóveis, foi ampliado pela modernidade. A propriedade virtual ou imaterial, também conhecida como direito intelectual, ganhou destaque, muitas vezes superando em valor econômico a propriedade física.

  • A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXIX, assegura a proteção aos direitos autorais, às criações industriais, às marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos. Para regulamentar essas questões, foi promulgada a Lei 9.279/1996, que trata das invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais e marcas, sob o conceito de propriedade intelectual.
  • Outro aspecto importante é a proteção dos direitos autorais, que incluem obras literárias, artísticas e científicas. A Lei 9.610/1998 regulamenta essa área, assegurando aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação e reprodução de suas obras.
  • Além disso, o legislador penal tipificou a violação dos direitos de propriedade intelectual e direitos autorais como crimes, visando proteger esses bens imateriais. Isso inclui crimes como a violação de direitos autorais e crimes contra as patentes, desenhos industriais, marcas e indicações geográficas.

E onde entra a propriedade virtual?

Os bens virtuais, como páginas de internet, arquivos eletrônicos e o uso de e-mails, têm se tornado cada vez mais relevantes e valiosos economicamente. 

Segundo o artigo 83, II, do Código Civil de 2002, as “energias que tenham valor econômico” são consideradas móveis para efeitos legais. Isso inclui os arquivos digitais e, por extensão, as páginas de internet.

A propriedade virtual possui um caráter econômico significativo e, em alguns casos, pode ser penhorada. A possibilidade de penhora sobre o “domínio” de um site na internet é um exemplo dessa prática, demonstrando o reconhecimento da natureza econômica dos bens virtuais.

Domínios eletrônicos 

Os domínios eletrônicos, conhecidos como nomes de domínio, desempenham um papel fundamental na internet, pois servem para localizar e identificar os sites na rede. O registro de domínios no Brasil é realizado pelo Registro.br, ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Para registrar um domínio, é necessário ser pessoa jurídica legalmente registrada com CNPJ ou pessoa física com um contato em território nacional. Além disso, o nome de domínio escolhido deve obedecer a certas regras sintáticas, como tamanho mínimo e máximo, caracteres válidos e outras restrições.

O titular do domínio tem o direito exclusivo de usar o acesso às páginas vinculadas a esse nome de domínio, bem como os e-mails associados a ele. Esse direito é renovável, desde que o titular continue cumprindo os requisitos estabelecidos pelo Registro.br e pague as taxas de renovação.

Embora o registro de domínio confira a titularidade sobre o nome de domínio em questão, ele não equivale à propriedade do conteúdo do site ou das informações nele contidas. Portanto, não se trata exatamente de uma usucapião, mas sim de um registro de direitos virtuais, que são regulados por regras específicas estabelecidas pelo Registro.br.

Usucapião de bens digitais

A ideia de usucapião de bens digitais envolve adquirir a propriedade de ativos intangíveis, como arquivos digitais, programas de computador, conteúdo online, entre outros, por meio da posse contínua e ininterrupta desses bens ao longo do tempo.

No entanto, a aplicação da usucapião a bens digitais enfrenta desafios significativos devido à sua natureza virtual e à ausência de uma base legal clara para essa situação. Os bens digitais são facilmente replicáveis, transferíveis e não ocupam espaço físico, o que torna difícil a caracterização de sua posse contínua e ininterrupta.

Além disso, a propriedade de bens digitais é frequentemente regulada por contratos de licença de software, termos de serviço de plataformas online e leis de direitos autorais. Esses contratos e leis podem estabelecer restrições à transferência de propriedade ou à posse permanente desses bens.

Para que a usucapião de bens digitais seja viável, seria necessário um marco legal específico que reconheça essa possibilidade e estabeleça critérios claros para sua aplicação. Até o momento, não existe uma legislação geral que aborde a usucapião de bens digitais de forma abrangente.

Portanto, qualquer tentativa de usucapião de bens digitais deve ser avaliada caso a caso, considerando os contratos e leis específicas que regem esses bens.

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Foto de Carlos Stoever

Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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